domingo, 13 de dezembro de 2009

DOM HELDER CÂMARA
PARA FAZER COM QUE A TERRA VIRE O CÉU
JM Cunha Santos




Foi o advogado Guilherme Zagallo, ao receber o título de Cidadão Maranhense, outorgado pela Assembléia Legislativa no último dia dez de dezembro, a pedido da deputada Helena Barros Heluy, quem lembrou a frase dita sobre Mahatma Gandhi: “as futuras gerações não acreditarão que existiu um homem como esse”. Para, em seguida, acrescentar que a mesma coisa poderia ser dita sobre o sempre sacerdote e político Dom Helder Câmara.

A Assembléia exibiu, sob os auspícios do padre Marcos Passerine, hoje coordenador da Pastoral Carcerária do Ceará e de presença histórica nas vidas da geração de estudantes que em São Luís organizou e detonou o Movimento Estudantil que culminou com a greve de 1979, (De presença histórica também na minha vida) um filme a resumir o sacerdócio e a luta política de Dom Helder.

Como afirmou Helena Heluy no depoimento de sua justificativa, Dom Helder tornou-se símbolo da construção da democracia e direitos do povo brasileiro, motivo do codinome “Profeta da Justiça e da Paz”.

O centenário de Dom Helder é comemorado em todo o Brasil, segundo a deputada “como um marco da consolidação da democracia e dos direitos do povo brasileiro, conquistados pela luta de homens e mulheres que abraçaram esta causa, sendo que a figura emblemática do bispo ultrapassou as fronteiras do país”.

Dom Helder, que se tornou profeta para o mundo, ora denunciando os horrores da miséria no Brasil, ora denunciando os atentados aos direitos humanos protagonizados pelo regime de exceção instalado no país, chegou a ser proibido de proferir palestra na Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão. A mesma Assembléia que no último dia 10 de dezembro, na passagem dos 61 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, homenageou seu centenário de nascimento. A história, como sempre dito, é implacável. E esse resgate representa, por todas as suas conotações, o resgate de tanta gente proibida de existir, em voz e pensamento, a cada vez que um modelo político se instala pela força em qualquer civilização.

Ao concluir, desajeitado, o seu discurso, - já que quase sempre infenso a manifestações públicas que o destaquem, - o padre Marcos Passerine deixou mais uma lição de protesto, de política e engajamento social em São Luís: “Dom Helder terá que ser lembrado não somente como bispo e cidadão brasileiro que, preocupado com as distorções da ditadura militar, tentou derrubar o muro de silêncio que ela havia imposto à imprensa nacional e aos cidadãos do País, denunciando-a internacionalmente. Dom Helder já vislumbrava, mundo afora, qual democracia poderia ser construída no Brasil ou em qualquer outro país. Não uma democracia dirigida por iluminados vanguardistas, nem a democracia formal do capital liberal, nem a democracia populista de caráter messiânico, e sim uma democracia que surgia dos pobres comprometidos como “força social”.

No filme, ouviria a voz de Dom Helder dizendo que para ele “a morte é o começo da vida”, que de sua cabeça não caía um único cabelo sem a permissão de Deus. É como se dissesse que de Deus tinha permissão para enfrentar todas as tiranias, intransigências e intolerâncias fabricadas na alma humana. E uma frase, fulgurantemente repetida por Dom Sebastião Gameleria, bispo da Igreja Anglicana do Recife, capitularmente poética pela ternura exasperada de sua expressão: “Durante o dia espalho meus pedaços; na madrugada os reúno em Deus”.

O professor Roberto Mauro Gurgel, cioso de sua vida na Juventude Universitária Católica e do relacionamento daqueles jovens todos com Dom Helder Câmara, deixou na Assembléia algumas lições do bispo, como a de que “a nossa tarefa é fazer com que a terra vire o céu” ou de que “se todo ser humano é a imagem de Deus, como permitir que o ser humano seja humilhado”?

Aquela sessão - tem que ter sido assim - deve ter deixado nas almas e corações presentes, de forma muito especial para os que se renderam ou desistiram, a vontade de retornar à luta, de esquecer a mentalidade hedonista que nos apequena no egoísmo, no egocentrismo materialista e continuar, indefinidamente, na tarefa da construção de uma vida melhor para todos, na construção de um ser humano melhor. A tarefa imensa de, com toda ternura e alegria de Dom Helder Câmara, “fazer com que a terra vire o céu”.

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