JM Cunha Santos
Havia um Cristo que nascia a toda hora, uma Madalena que não pecava nunca, um São José que se negava a ser pai e uma partenogênese eterna no meu corpo.
Havia um anjo tocando trombetas verdes, um Gabriel anunciando gente morta, um solitário Deus à procura do filho e um cálice que não desgrudava da boca.
Havia um manto que ninguém vestia e um sudário rasgado sem rosto nenhum. Havia pombas brancas destruindo igrejas e um cachorro ruim que lambia o sangue da redenção.
Havia um sino que estourava os tímpanos, uma Virgem Maria que paria por minuto, soldados armados com lanças de ouro puro e ovelhas cortadas ao meio pelas facas de um pastor.
Nas manjedouras cheias de ervas e açucenas um filho só e sem irmãos chorava sangue puro e seios fartos explodiam em pedra fria enquanto um louco tentava construir um canto de Natal.
As estrelas que os reis seguiam, em cacos, retornavam às suas origens, o incenso feria os olhos e a mirra se espalhava nas nebulosas. Alguém queria morar para sempre na bacia que sobrou do parto e as guerras santas só eram santas porque também os santos não se amavam.
Juízes decaídos, escancarados, julgavam Herodes e um senhor de barbas brancas e roupas vermelhas, carregando um saco de esperanças, lavava as mãos de Pilatos.
No meu sonho de Natal pistoleiros chutavam manjedouras, um ser sem alma revendia órgãos públicos, os brinquedos eletrônicos – foguetes mísseis, bombas e até o trem das onze – eram fatais. E quando alguém disse “Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem”, todos souberam o que fazer: tentaram destruí-lo para sempre.
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