Carolina Graça Melo
Eu acredito que o centro do debate não deveria ser o julgamento de "bom" ou "ruim", "direita" ou "esquerda", "ético" ou "não-ético". Bem verdade que todos esses adjetivos pesam no destino do profissional e trazem consequências muitas vezes irreversíveis, como no caso do Décio. Mas também é fato que basta ser jornalista para se estar em perigo. É uma profissão muito arriscada, e somando-se isso as precariedades do exercício diário de trabalho e da falta de articulação da classe em defesa dos próprios direitos, como é que fica? A autocensura já é grande demais, é um silêncio que grita muito mais alto do que qualquer censura imposta na redação. Acho uma bobagem nesse momento não se identificar com o Décio, por não concordar com a forma que ele conduziu sua carreira. Basta ter feito uma matéria e alguém ter pedido a sua "cabeça", basta ter executado uma pauta que desagradou o patrão e depois ter pago o pato sozinho, basta já ter sido ameaçado. E para isso não é preciso ter sido bom o mau jornalista, conivente ou não com o patrão. São muitos os interesses, o poder é multifacetado. Você pode cobrir cultura e ouvir uma conversa de gabinete que leve a uma pista de corrupção, pode ser da editoria de esporte e descobrir uma fraude do meio. E aí, você não vai apurar? Se você não apura foge ao compromisso da notícia. Mas é humano, tem medo como qualquer outro cidadão. De perder o emprego, de ir pra geladeira, de ficar marcado ou coisa pior. Porque os veículos ou empresas nos quais se trabalha não te protegem porque não te valorizam. E não te valorizam porque você é mão de obra barata nos diversos aspectos e não se incomoda nem um pouco com isso, ou finge que não se incomoda. A quem recorrer?
Em uma classe onde todos se olham como concorrentes ou contrários, desiguais, fica sim cada vez mais difícil sentir-se seguro, e ter fé no "papel social" do que se está fazendo. Aí você vai calando, fazendo o arroz com feijão, se acomodando ou simplesmente muda de ramo. Isso é frustrante e é muito sério, porque não diz respeito só a jornalistas, mas ao debate de fatos e opiniões de quem move a transformação das coisas e torna a vida das pessoas melhor. Ou ao menos era pra ser assim.
Em suma: a morte de um jornalista, bom ou mau, não é o fim do mundo, mas é um reflexo trágico da "saúde" do nosso meio profissional. E abre precedentes. Quem cobre polícia, por exemplo, fica muito mais vulnerável num momento desses. O assassinato impune de um jornalista aqui na nossa ilha, nesse nosso pequeno universo social, é uma bandeira branca para ameaças de toda sorte. É uma ameaça, sim, a democracia e a liberdade de imprensa, não interessa quem foi ou como foi o jornalista.
...e jornalista morto, ou jornalista vivo que não fala, é só mais uma peça necessária à manutenção dessa lógica de joões e marias mortos - de fato ou em seus direitos de cidadão - impunemente.
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ResponderExcluirBom dia JM Cunha, venho aqui para agradecer ao destaque dado em seu blog ao comentário que fiz no Facebook, compilado acima. Mas também para esclarecer aos que aqui o leram, que esse pequeno texto não tinha qualquer pretensão de virar "artigo", como assim foi exposto no Editoral do Jornal Pequeno deste domingo (06/05). Foi apenas um desabafo entre colegas na rede social e, por isso, o pouco aprofundamento no assunto, como bem foi observado pelo autor do Editorial naquele jornal.
ResponderExcluirCarol, você não se apreofundou tanto, mas talvez nem precisasse. Conseguiu dizer o que importa. Eu lhe agradeço pelo que está dizendo.
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