terça-feira, 21 de maio de 2013

Editorial JP, 21 de maio

O poeta e o censor

Em qualquer lugar em que o poder se manifestar pela via do absolutismo; em todo e qualquer território onde não for permitida a alternância de poder; sempre que a tirania, a fraude e a corrupção governarem um Estado, a censura ressurgirá das cinzas, qual Fênix, atropelando a liberdade de expressão e todos os direitos de povos sob a guarda de tiranos.
O bloqueio das contas da jornalista e blogueira amapaense Alcinea Cavalcante pela Justiça, a mando do senador maranhense José Sarney, até R$ 2 milhões, repetido aqui contra o Jornal Pequeno (R$ 36 mil) não deve ser debatido apenas como forma de censura, mas repor a discussão sobre a farsa da democracia em que vivemos. A judicialização da censura foi a saída encontrada para calar jornalistas e órgãos de comunicação não alinhados ao poder. É quase um retorno ao colonialismo português, aos horrores da Inquisição que proibiu a divulgação de obras iluministas e críticas à igreja Católica e à monarquia absolutista de Portugal. A diferença é que o método de tortura escolhido agora não é mais a mesa de evisceração, mas a fome, a inviabilização da sobrevivência do profissional e o terror jurídico/econômico contra órgãos de imprensa.
Sarney se diz poeta. É, inclusive, membro da Academia Brasileira de Letras, mas lamentavelmente talvez seja esta a primeira vez na história mundial que temos notícias de um poeta impondo censura, da mesma forma que impôs ao jornal “O Estado de São Paulo”, até hoje proibido de escrever o nome de Fernando Sarney.
A História do Brasil registra momentos terríveis de censura. No Brasil Colônia quiseram até criar uma “Língua Geral” para impedir manifestações culturais de negros e indígenas. E a cultura negra acabou delimitada aos espaços dos quilombos. Estamos nós agora, por decisões judiciais prolatadas ao refugo da verdadeira Justiça, obrigados a pensar como pensa José Sarney e como pensam todos os poderosos, a falar a Língua Geral instituída pelo poder. É isso ou viver na miséria; é isso ou ser obrigado a passar fome.
Nem o AI-5 conseguiu tanto. E lembramos aqui a ordem de um ministro da Justiça, em 1972, proibindo ao jornal O Estado de São Paulo a publicação de notícias, comentários, entrevistas ou critérios de qualquer natureza, sobre abertura política, democratização ou assuntos correlatos, anistia, revisão de processos, críticas ou editoriais sobre situação econômico-financeira do país ou problema sucessório e suas implicações.
Não precisamos lembrar a Sarney que, inclusive historicamente, poetas são censurados, não censuram ninguém; não promovem ataques judiciais contra a liberdade de expressão, são atacados. Psicologicamente, esse é um caso de dupla personalidade muito próximo ou igual a “O Médico e o Monstro” em que o Dr. Jekill e Míster Hyde, o médico e o assassino, habitavam o corpo de um mesmo personagem. As questões de dupla personalidade são até comuns nos dias de hoje, mas não se tinha notícia ainda de um Poeta e um Censor habitando a mesma carcaça humana democrática. Só no Maranhão.

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