O
poeta e o censor
Em
qualquer lugar em que o poder se manifestar pela via do absolutismo; em todo e
qualquer território onde não for permitida a alternância de poder; sempre que a
tirania, a fraude e a corrupção governarem um Estado, a censura ressurgirá das
cinzas, qual Fênix, atropelando a liberdade de expressão e todos os direitos de
povos sob a guarda de tiranos.
O
bloqueio das contas da jornalista e blogueira amapaense Alcinea Cavalcante pela
Justiça, a mando do senador maranhense José Sarney, até R$ 2 milhões, repetido
aqui contra o Jornal Pequeno (R$ 36 mil) não deve ser debatido apenas como
forma de censura, mas repor a discussão sobre a farsa da democracia em que
vivemos. A judicialização da censura foi a saída encontrada para calar
jornalistas e órgãos de comunicação não alinhados ao poder. É quase um retorno
ao colonialismo português, aos horrores da Inquisição que proibiu a divulgação
de obras iluministas e críticas à igreja Católica e à monarquia absolutista de
Portugal. A diferença é que o método de tortura escolhido agora não é mais a
mesa de evisceração, mas a fome, a inviabilização da sobrevivência do
profissional e o terror jurídico/econômico contra órgãos de imprensa.
Sarney
se diz poeta. É, inclusive, membro da Academia Brasileira de Letras, mas
lamentavelmente talvez seja esta a primeira vez na história mundial que temos
notícias de um poeta impondo censura, da mesma forma que impôs ao jornal “O
Estado de São Paulo”, até hoje proibido de escrever o nome de Fernando Sarney.
A
História do Brasil registra momentos terríveis de censura. No Brasil Colônia
quiseram até criar uma “Língua Geral” para impedir manifestações culturais de
negros e indígenas. E a cultura negra acabou delimitada aos espaços dos
quilombos. Estamos nós agora, por decisões judiciais prolatadas ao refugo da
verdadeira Justiça, obrigados a pensar como pensa José Sarney e como pensam
todos os poderosos, a falar a Língua Geral instituída pelo poder. É isso ou
viver na miséria; é isso ou ser obrigado a passar fome.
Nem
o AI-5 conseguiu tanto. E lembramos aqui a ordem de um ministro da Justiça, em
1972, proibindo ao jornal O Estado de São Paulo a publicação de notícias,
comentários, entrevistas ou critérios de qualquer natureza, sobre abertura
política, democratização ou assuntos correlatos, anistia, revisão de processos,
críticas ou editoriais sobre situação econômico-financeira do país ou problema
sucessório e suas implicações.
Não
precisamos lembrar a Sarney que, inclusive historicamente, poetas são
censurados, não censuram ninguém; não promovem ataques judiciais contra a
liberdade de expressão, são atacados. Psicologicamente, esse é um caso de dupla
personalidade muito próximo ou igual a “O Médico e o Monstro” em que o Dr.
Jekill e Míster Hyde, o médico e o assassino, habitavam o corpo de um mesmo
personagem. As questões de dupla personalidade são até comuns nos dias de hoje,
mas não se tinha notícia ainda de um Poeta e um Censor habitando a mesma
carcaça humana democrática. Só no Maranhão.
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