quarta-feira, 24 de junho de 2020

50 mil mortos

JM Cunha Santos



50 mil                                                                         
50 mil do Brasil
meia centena de mil
50 mil pais de abril
50 mil mães de anil
filhos feitos de fuzil
a terra inteira pariu
desceram por um funil
Somente a fera é quem riu

(50 mil sozinhos dentro de 50 mil estrelas, arrastando meteoros e a vontade viver; são os mortos de uma guerra entre a dor e o poder)

50 mil
50 mil do Brasil
com sede, mas sem cantil
com março, mas sem abril
sem água, só com o barril
meio milênio em cem mil
da dor que à dor aduziu
mil vezes cinquenta mil
Somente a fera é que riu

(50 mil mortos - e daí? – não há remorsos - mas são gentes não são troços, são humanos, não são bagres – e daí? – não há milagres nessa terra sem pulmões).

50 mil
50 mil do Brasil
tanta dor já se expeliu
meia metade de mil
oculta sem ter covil
presas de um mesmo ardil
da carne grande e infantil
de ser jovem e estar senil
Somente a fera é quem riu

(Num país sem analgésicos, meu coração antitérmico, procura por anestésicos feitos de solidão; 50 mil que abraçaram, 50 mil que beijaram, não abraçam nem beijam mais; sem corpo e passando mal, ficou a alma imortal tentando morrer em paz).

50 mil
50 mil do Brasil
é mais de 40 mil
muito mais que 30 mil
dois dobros de 20 mil
mais que três vezes 10 mil
quem chora um chora mil
ou chora os cinquenta mil
Somente a fera é que riu

(E enquanto se escondem na aurora, não sabem, Deus também chora, alagando o horizonte e pergunta, limpando a fronte, onde aprendeu a chorar)

50 mil
50 mil do Brasil
não minta, que você sabe
não finja, que você viu 

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